sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Apenas uma dança

Quatro badaladas e a luz baixa, na verdade aquele ornamentado cômodo estava só iluminado pela pálida e fria luz da lua que insistia em entrar pela fresta da cortina, mas aquela pouca luz era o suficiente para eles poderem ver o contorno um da silhueta do outro. Silêncio, ele levanta de onde estava sentado, pousa o quase vazio copo de uísque na mesa de centro, caminha a passos silenciosos e se ajoelha na frente dela, que sentava em sua poltrona favorita. Ela leva a mão ao rosto tentado em vão conter um soluço entre as lágrimas enquanto olhava para o contorno do rosto dele, não via seus olhos, sua vista embaçada pelo choro e a luminosidade quase inexistente não permitiam, mas... ela sabia exatamente qual era o olhar dele, aquele olhar que nunca mudara, aquele olhar que dizia tanto e que a colocava de joelhos.
-Não tinha que ser assim... – ela soluça mais uma vez, ele hesita, mas segura as mãos dela entre as suas – tinha?
Os olhos dele buscam algum refúgio se distanciando da silhueta dela. Ele queria dizer algo, ele sabia o que dizer, mas não devia, porque a verdade é que não havia o que se dizer.
-Quando tudo isso começou? – Ela murmura quase num lamento, com os olhos marejados correndo pelo salão – Toda essa frieza.
- No começo – murmura ele trazendo as mãos dela para perto dos lábios para beijá-las.
Ela retira as mãos bruscamente. Sabia que por mais quentes que fossem os lábios dele ou suas palavras, ele seria o mesmo garoto frio de sempre, e ela estava cansada daquilo.
- Não brinque comigo, não agora – ela olha para ele como se suplicasse – Por favor.
- Eu brinco... brinquei o tempo todo – ele olha para o chão – brinquei de falar a verdade, e agora estou brincando novamente com você – Tão poético, tão frio, ela enxuga novas lágrimas – brincando de falar a verdade.
-Por que você não acaba com isso de uma vez? Estou cansada dos seus joguinhos, estou cansada de você, estou cansada de tudo isso – Ela se encolhe na poltrona abraçando as próprias pernas, como para se esconder dele – sabe de uma coisa... – Ela arranca com um movimento violento a aliança que usava, ela queria arremessá-la longe, mas não há força, então simplesmente estende o braço, largando-a do lado da poltrona.
Em silêncio ele retira a própria aliança, junta a dela, com ambas na palma de sua mão a fecha com força.
- Acha mesmo que eu também não estou magoado? – Silêncio, ela evita o olhar dele – É... eu posso jurar que se não fosse você me lembrando que sou frio e manipulador, eu esqueceria – ele escapa com o olhar para o lado – Mas às vezes, mesmo com você, mun’amour, me lembrando, eu esqueço, esqueço que sou frio, orgulhoso e impassível... e me abalo, me machuco – as palavras não queriam sair – me magôo.
- São só palavras, pare com isso – Ela balança o rosto negativamente – nós dois sabemos que a mágica de suas palavras já morreram, por que ainda insiste nisso?
- Porque nós dois sabemos que você não acredita nas suas próprias palavras – afirma incisivo, ele sorri, ele sabe que aquilo é verdade – Tudo começou no começo... Desde lá éramos desse jeito, e nunca mudamos, nem um pelo outro, nem o outro pelo um.
- Você sempre sabe o que dizer – Ele ameaça um sorriso – mesmo que não haja o que se dizer, você é um monstro – fala ela enquanto estreita o olhar para ele e relaxa um pouco seu corpo.
-E você me conhece tão bem – fala ele com ironia.
-Sim – Ela sabia que aquela frase podia ser irônica naquele contexto, mas era verdade, na verdade, ambos sabiam disso, talvez muito mais ele do que ela – Você não estaria comigo se não lhe conhecesse, se não soubesse onde acertá-lo e com o que acertá-lo, só para te tirar dessa posição de frio e impassível.
- Parece que foi ontem, não? – fala ele brincando com as alianças.
- Que as trocamos? – murmura ela curiosa.
- Não – ele ri baixo – que dançamos pela primeira vez.
-Era para ser apenas uma dança.
- Apenas uma brincadeira – completa ele.
- Mas você me desarmou e me teve sem reação.
- E você me envolveu na tua teia de incertezas.
Eles riem juntos, eles eram tão diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos, diametralmente opostos, mas eram como a imagem no espelho um do outro, tão semelhantes.
- Nós pisamos no pé um do outro – ele se levantou e caminhou em direção a vitrola que ganhara de seu pai anos atrás.
- Sim, mas continuamos dançando – fala ela sorrindo, mas o sorriso se esvai – mas uma hora a música acaba e o casal se separa, é inevitável.
- Sabe qual é o bom de não estarmos mais naquela festa? – ele coloca um disco na vitrola que começa a tocar – A música vai durar o quanto quisermos.
- E se não quiser mais?
- Então você me nega a honra dessa contra-dança... – ele conclui com um sorriso se ajoelhando na frente dela, pegando sua mão e a levantando, ela se deixa ser envolvida pelos braços dele.
- E como saberei se você realmente quer, e não está só sendo cavalheiro me tirando pra dançar? – pergunta ela meio desacreditada.
- Aí você vai ter que descobrir sozinha – ele corre uma mão pelas costas dela, chegando a nuca puxa o rosto dela para próximo do seu – Imaginando.
- Se pisarmos no pé um do outro?
Ele pega a mão dela e coloca novamente a aliança, em silencio ela toma a dele de sua mão e faz o mesmo, em silêncio eles continuam dançando. Ela coloca a cabeça no ombro dele e murmura.
- Já sei, continuamos dançando.




Giancarlo Ferraro Chimelli
02:34-11/08/2011

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